Por
Adriana Passari - @adrianapassari
Um
dia a Dona Aranha
Tudo
aconteceu numa tarde de verão. Ainda lembrada com dor no coração e medo da
vingança. O jardineiro veio pela manhã e deixou os jardins perfeitos. Grama
cortada, plantas podadas. Dava um orgulho ver o quintal arrumadinho assim. O
drama todo aconteceu após o almoço.
Ela
foi avistada no escritório da casa, embaixo dos armários lotados de papéis de
todos os tipos e importância. Era enorme, peluda, de cor escura e se movia com
muita desenvoltura com suas oito patas gigantes e ameaçadoras. Foi um susto
geral. Ninguém tinha coragem de chegar perto, mas ninguém podia tirar o olho
com medo de perdê-la de vista.
A
diarista apavorada correu pegar o inseticida com o forte impulso de acabar com
aquela vida. Foi impedida pela dona da casa. Idealista. Ambientalista.
Defensora dos fracos e oprimidos. Ninguém vai fazer mal para esse animalzinho,
decretou. E agora? Era preciso eliminar a ameaça sem ferir a desavisada que
ousou invadir e tirar a paz daquela família.
O
marido foi chamado às pressas e saiu do trabalho para atender a emergência.
Controlou o ímpeto de resolver a ocorrência com uma única e certeira
vassourada. A preservação da aranha estava decretada e seria respeitada. Era
preciso elaborar uma estratégia de captura e remoção.
Um balde foi providenciado. Era só jogar por cima dela, contendo sua fuga e depois levá-la pra longe. Armados de vassoura e uma pá comprida começaram a caçada. Cutuca daqui, cutuca de lá, ela seguia acuada se defendendo como podia, sem entender que a entrada no balde era salvação e não o fim.

Numa
de suas corridas pela vida ela subiu na caixa de coisas eletrônicas velhas e
inúteis que o marido insistia em guardar pensando que ia usar um dia e ficava
no chão embaixo da escrivaninha. Sobre a tampa da caixa o balde foi colocado e
o aracnídeo estava contido.
Porém
ao arrastar o balde para a beirada no intuito de derrubar a aranha no fundo
para providenciar o transporte, uma de suas patas foi prensada na ranhura da
caixa e sem querer, arrancada. Foi uma tristeza enorme. Pobrezinha. Estava
ferida. Ela nem por isso desistiu de lutar pela sua vida. No fundo do balde se
debatia, corajosa, mostrando que não estava para brincadeira.
A
dona de casa chorava pela agonia causada, sentindo a mesma dor da decepada. A
aranha foi liberada numa área de mata próxima. Saiu praticamente correndo
quando viu que estava salva do perigo. Nem parecia notar a falta de uma pata.
Mas
a dona da casa até hoje sente um aperto no peito quando olha para aquela mata e
pede novamente perdão para a coitada. Tem medo de ser vingada.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: